De
Pessoa
Sábio é quem monotoniza a existência,
pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de
leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro
monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse
modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e,
se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu
toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque
encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o
conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.
Fernando
Pessoa, oeta, nascido em Portugal em 1888
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