Da Família Tentacular
(trecho)
De
certa forma, a família desprivatizou-se a partir da segunda metade do século
XX, não porque o espaço público tenha voltado a ter a importância que teve na
vida social até o século XVIII, mas porque o núcleo central da família
contemporânea foi implodido, atravessado pelo contato íntimo com adultos,
adolescentes e crianças vindas de outras famílias. Na confusa árvore
genealógica da família tentacular, irmãos não consanguíneos convivem com
“padrastos" ou “madrastas" (na falta de termos melhores), às vezes já
de uma segunda ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos
profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de suas vidas.
Cada
uma dessas árvores híper-ramificadas guarda o traçado das moções de desejo dos
adultos ao longo das várias fases de suas vidas – desejo errático, tornado
ainda mais complexo no quadro de uma cultura que possibilita e exige dos
sujeitos que lutem incansavelmente para satisfazer suas fantasias. É importante
observar também o papel da mídia, particularmente da televisão, doméstica e
onipresente, no rompimento do isolamento familiar e consequentemente, na
dificuldade crescente dos pais controlarem o que vai ser transmitido a seus
filhos.
Maria
Rita Kehl, nascida
em Campinas, em 1951, psicanalista, jornalista, ensaísta, poetisa, cronista e crítica
literária.
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