segunda-feira, 25 de junho de 2018




Da Família Tentacular
(trecho)


De certa forma, a família desprivatizou-se a partir da segunda metade do século XX, não porque o espaço público tenha voltado a ter a importância que teve na vida social até o século XVIII, mas porque o núcleo central da família contemporânea foi implodido, atravessado pelo contato íntimo com adultos, adolescentes e crianças vindas de outras famílias. Na confusa árvore genealógica da família tentacular, irmãos não consanguíneos convivem com “padrastos" ou “madrastas" (na falta de termos melhores), às vezes já de uma segunda ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de suas vidas.


Cada uma dessas árvores híper-ramificadas guarda o traçado das moções de desejo dos adultos ao longo das várias fases de suas vidas – desejo errático, tornado ainda mais complexo no quadro de uma cultura que possibilita e exige dos sujeitos que lutem incansavelmente para satisfazer suas fantasias. É importante observar também o papel da mídia, particularmente da televisão, doméstica e onipresente, no rompimento do isolamento familiar e consequentemente, na dificuldade crescente dos pais controlarem o que vai ser transmitido a seus filhos.


Maria Rita Kehl, nascida em  Campinas, em 1951,  psicanalista, jornalista, ensaísta, poetisa, cronista e crítica literária.




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