A humanidade de
Deus
Na realidade sou o quê? Um Deus? Um
homem? A mistura dos dois, quem sabe? Um Deus-homem com poder, mas que pode
pecar e sair dançando pelas ruas e praças, sem se importar com os olhares de
recriminação. Mas Deus não pode dançar nem pecar. Sou um homem-Deus. Criei meu
céu e meu inferno, coloquei o bem e o mal numa só alma, o bom e o mau num só
espírito. Concebi a unidade dos opostos, dei à luz a escuridão e pari as
sombras, estabeleci a ordem nas guerras urbanas, e deixei a desordem proliferar
nos campos santos Manchei com sangue o branco da paz e limpei a face do Cristo
com a bandeira vermelha, beijei a face do demônio, bailei com os anjos, comi o
pão que o diabo amassou e sorvi o vinho sagrado das cerimônias religiosas. Fiz
poemas para as prostitutas e sexo com as puras, apertei a mão dos marginais e
dei às costas aos homens de bem. Ordenei que o pecado e o perdão fizessem as
pazes, que o puro e o ímpio se abraçassem. Girei nos terreiros com os Orixás e
me ajoelhei diante das imagens de santos e virgens, rezando em latim. Sou o
quê? Sou Deus que se fez homem.
Jorge Nicoli
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