A Necessidade da Mentira
A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta
verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os
seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais
seguramente os poder surpreender.
À universal verdade não convém permanecer na verdade particular,
que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é
inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo
látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na
excessiva sinceridade.
Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve
experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele
quiser viver, e ainda lhe canta: "Age sempre com lealdade e
rectidão".
Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal.
Toma este por estúpido e serve de expressão à
irresponsabilidade.
Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito
perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em
ninguém, todos sabem a resposta.
Mente-se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele
importa, que dele não se necessita, que lhe é indiferente o que ele pensa
acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal de comunicação,
transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual cada
indivíduo estende à sua volta a frieza, e sob cuja proteção pode prosperar.
Theodor W. Adorno,
Theodor W. Adorno,
1903 –
1969
Filósofo
nascido na Alemanha
Sábia Indecisão
Muito Mais Que Um Grupo de Teatro
!
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