quarta-feira, 26 de abril de 2017



A Mentira Agrada Mais do Que a Verdade



O espírito do homem é feito de maneira que lhe agrada muito mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiência: ide à igreja, quando aí estão a pregar.

Se o pregador trata de assuntos sérios, o auditório dormita, boceja e enfada-se, mas se, de repente, o zurrador (perdão, o pregador), como aliás é frequente, começa a contar uma história de comadres, toda a gente desperta e presta a maior das atenções. 

Como é fácil essa felicidade! Os conhecimentos mais fúteis, como a gramática por exemplo, adquire-se à custa de grande esforço, enquanto a opinião se forma com grande facilidade, contribuindo tanto ou talvez mais para a felicidade.

Se um homem come toucinho rançoso, de que outro nem o cheiro pode suportar, com o mesmo prazer com que comeria ambrósia, que tem isso a ver com a felicidade? Se, pelo contrário, o esturjão causa náuseas a outro, que temos nós com isso? Se uma mulher, horrivelmente feia, parece aos olhos do marido semelhante a Vénus, para o marido é o mesmo do que se ela fosse bela.

Se o dono de um mau quadro, besuntado de cinábrio e açafrão, o contempla e admira, convencido de que está a ver uma obra de Apeles ou de Zêuxis, não será mais feliz do que aquele que comprou por elevado preço uma obra destes pintores e que olhará para ela talvez com menos prazer? 


Erasmo de Roterdão
Humanista, pedagogo
nascido na Holanda, em 1469


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