O Desejo de Ser Sincero é Superficial
O desejo de ser
sincero é superficial. Não é por acaso que muitos dos romances entre os últimos
aparecidos são escritos na primeira pessoa, de modo a que o eu repetido e
disseminado ao longo das páginas produza uma sensação de algo muito próximo a
uma lembrança, a uma confissão, a um diário.
Não é também por
acaso que neles se evita com muito cuidado o enredo ou de certa forma tudo o
que possa parecer invenção; e que se narre os fatos com garra jornalística,
como coisa que realmente tivesse acontecido.
A
sinceridade, no seu estrito sentido, não suporta a narração objetiva que é um
princípio de artifício nem a invenção que em todas as ocasiões pode parecer
falsa.
A sinceridade
parece-se muito com o mar em certos dias. Há manhãs de tanta bonança que se
andamos de barco e nos inclinamos para contemplar a água debaixo de nós, tem-se
a impressão de que estamos suspensos sobre transparentes e tangíveis
precipícios. A água, por muito profunda que seja, não se opõe a que se olhe a
prumo para baixo e se veja, numa claridade esverdeada, o fundo areoso espargido
de seixos e de trigueiras céspedes. Nasce então uma espécie de exaltação,
deseja-se tocar aquele fundo que parece estar muito perto de nós.
No entanto quando
se mergulha, mesmo com todo o peso do nosso corpo e toda a força da nossa
impulsão só conseguimos penetrar na água um par de metros. Nem sequer afloramos
aquela encantada e longínqua profundidade.
Alberto Moravia
Escritpr e jornalista, nascido na Itália em 1907
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