quinta-feira, 28 de dezembro de 2017



O Desejo de Ser Sincero é Superficial


O desejo de ser sincero é superficial. Não é por acaso que muitos dos romances entre os últimos aparecidos são escritos na primeira pessoa, de modo a que o eu repetido e disseminado ao longo das páginas produza uma sensação de algo muito próximo a uma lembrança, a uma confissão, a um diário.

Não é também por acaso que neles se evita com muito cuidado o enredo ou de certa forma tudo o que possa parecer invenção; e que se narre os fatos com garra jornalística, como coisa que realmente tivesse acontecido.
 A sinceridade, no seu estrito sentido, não suporta a narração objetiva que é um princípio de artifício nem a invenção que em todas as ocasiões pode parecer falsa.

A sinceridade parece-se muito com o mar em certos dias. Há manhãs de tanta bonança que se andamos de barco e nos inclinamos para contemplar a água debaixo de nós, tem-se a impressão de que estamos suspensos sobre transparentes e tangíveis precipícios. A água, por muito profunda que seja, não se opõe a que se olhe a prumo para baixo e se veja, numa claridade esverdeada, o fundo areoso espargido de seixos e de trigueiras céspedes. Nasce então uma espécie de exaltação, deseja-se tocar aquele fundo que parece estar muito perto de nós.
  
No entanto quando se mergulha, mesmo com todo o peso do nosso corpo e toda a força da nossa impulsão só conseguimos penetrar na água um par de metros. Nem sequer afloramos aquela encantada e longínqua profundidade.


Alberto Moravia
Escritpr e jornalista, nascido na Itália em 1907


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