Entendermo-nos com a Vida
Como é
difícil entendermo-nos com a vida. Nós a compor, ela a estragar. Nós a propor,
ela a destruir. O ideal seria então não tentarmos entender-nos com ela mas apenas
connosco. Simplesmente o nós com que nos entendêssemos depende infinitamente do
que a vida faz dele. Assim jamais o poderemos evitar. E todavia, alguns
dir-se-ia conseguirem-no. Que força de si mesmos ou importância de si mesmos
eles inventam em si para a sobreporem ao mais? Jamais o conseguirei.
O que há de
grande em mim equilibra-se nas infinitas complacências da vida que me ameaça ou
me trai. E é nesses pequenos intervalos que vou erguendo o que sou. Mas
fatigada decerto de ser complacente, à medida que a paciência se lhe esgota em
ser intervalarmente tolerante, ela vai-me sendo intolerante sem intervalo
nenhum. E então não há coragem que chegue e toda a virtude se me esgota na
resignação. É triste para quem sonhou estar um pouco acima dela. Mas o simples
dizê-lo é já ser mais do que ela. A resignação total é a que vai dar ao
silêncio.
Vergílio Ferreira, escritor, nascido em Portugal em 1916
Vergílio Ferreira, escritor, nascido em Portugal em 1916
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