Uma Obediência Passiva
O homem, bobo da sua
aspiração, sombra chinesa da sua ânsia inútil, segue, revoltado e ignóbil,
servo das mesmas leis químicas, no rodar imperturbável da Terra,
implacavelmente em torno a um astro amarelo, sem esperança, sem sossego, sem
outro conforto que o abafo das suas ilusões da realidade e a realidade das suas
ilusões.
Governa estados,
institui leis, levanta guerras; deixa de si memórias de batalhas, versos,
estátuas e edifícios. A Terra esfriará sem que isso valha. Estranho a isso,
estranho desde a nascença, o soI um dia, se alumiou, deixará de alumiar; se deu
vida, dará a si a morte.
Outros sistemas de
astros e de satélites darão porventura novas humanidades; outras espécies de
eternidades fingidas alimentarão almas de outra espécie; outras crenças passarão
em corredores longínquos da realidade múltipla.
Cristos outros subirão
em vão a novas cruzes. Novas seitas secretas terão na mão os segredos da magia
ou da Cabala. E essa magia será outra, e essa Cabala diferente. Só uma
obediência passiva, sem revoltas nem sorrisos, tão escrava como a revolta, é o
sistema espiritual adequado à exterioridade absoluta da nossa vida serva.
Álvaro de Campos,
Álvaro de Campos,
(heterônimo
de Fernando Pessoa)
Escritor e poeta
nascido em Portugal, em 1890
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Sábia
Indecisão
Muito Mais
Que Um Grupo de Teatro
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