A Noite
Sentado à mesa da cozinha fito o
copo vazio, meus dedos se distraem com farelos do pão amanhecido. Da parede um
Cristo crucificado me observa.
Um pássaro negro pousa no meu
ombro, enquanto ouço a voz de um velho fantasma a dizer, nos meus ouvidos, para
marcar meu corpo com aquela antiga adaga.
Digo ser impossível, pois tenho o
corpo todo retalhado e com profundas marcas encarnadas. Ele insiste. Tampo os
ouvidos com as tampas de cobre das estranhas panelas que ornamentam o vazio da
casa.
Da rua mal iluminada pelo sorriso
aberto da lua, vem o som de um realejo e a monótona canção do menestrel bêbado
que fala de mais um amor frustrado. Sinto frio, meu ser se petrifica e o vazio
preenche meus vagos pensamentos.
O pássaro negro voa ao encontro
da escuridão do meu quarto, o Cristo fecha os olhos. me cubro com o manto,
aninhando no colo de uma deusa vestida de dourado.
Jorge Nicoli
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