terça-feira, 11 de abril de 2017


A Noite

Sentado à mesa da cozinha fito o copo vazio, meus dedos se distraem com farelos do pão amanhecido. Da parede um Cristo crucificado me observa.

Um pássaro negro pousa no meu ombro, enquanto ouço a voz de um velho fantasma a dizer, nos meus ouvidos, para marcar meu corpo com aquela antiga adaga.

Digo ser impossível, pois tenho o corpo todo retalhado e com profundas marcas encarnadas. Ele insiste. Tampo os ouvidos com as tampas de cobre das estranhas panelas que ornamentam o vazio da casa.

Da rua mal iluminada pelo sorriso aberto da lua, vem o som de um realejo e a monótona canção do menestrel bêbado que fala de mais um amor frustrado. Sinto frio, meu ser se petrifica e o vazio preenche meus vagos pensamentos.

O pássaro negro voa ao encontro da escuridão do meu quarto, o Cristo fecha os olhos. me cubro com o manto, aninhando no colo de uma deusa vestida de dourado.

Jorge Nicoli

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