PENSAR COM CLARICE
Respeite a você
mais do que aos outros
Não pense que a
pessoa tem tanta força
assim a ponto de levar qualquer
espécie de vida e continuar a mesma. Nem sei como lhe explicar minha alma.
Mas o que eu queria
dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a
gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias.
Pretendia apenas
lhe contar o meu novo caráter, ou falta de carácter. Querida, quase quatro anos
me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade
e todo interesse pelas coisas.
Você já viu como um
touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a dura
comparação...
Para me adaptar ao
que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar
meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim.
E com isso cortei
também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é
quase repugnante.
Uma amiga, um dia
desses, encheu-se de coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito
diferente, não era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me
encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela
mudou tanto que parece quase irreconhecível.
Uma outra pessoa
disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. o que pode
acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó
vital de uma pessoa deve ser respeitado.
Ouça: respeite a
você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é
ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo
amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma
pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.
Clarice Lispector
1920;1077
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Lingüiça de carne suína
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