terça-feira, 21 de novembro de 2017


Um Conto

As lágrimas
de um matador de aluguel

Zezo, nasceu prematuro, franzino, pouco peso, condenado a engordar a estatística da mortalidade infantil. Donana, a avó, rezava aos Orixás.

- Xangô vai lhe dar força, vai fazer dele um grande homem, Iemanjá, vai abençoar, ele vai ser um homem bom.

Madalena, a mãe, chorava.

- Meu único filho homem, Deus não pode me abandonar.

Dizia, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto maltratado. Tinha apenas 32 anos, parecia ter muito mais. Marcas da vida mal vivida. Além de Zezo, já tinha parido quatro meninas, cada uma de um homem diferente. Boa coisa elas não deram, mas deram netos para Madalena cuidar. A esperança era Zezo, batizado como José Salvador. José, nome do pai, de pouco trato, de muita cachaça, a resmungar pelos bares, pelos cantos.

- Merda de vida.

Tinha 45 anos, separado da primeira mulher, com quem teve dois filhos, vivia de biscates.

Assim foi, entre rezas, lágrimas e resmungos que Zezo resistia. Dos peitos de Madalena, pouco leite saia, da negra Tata, era tanto que dava para dividir entre a Josiane e o Zezo.

- Vai viver, menino, leite de negra sustenta. Dizia Tata, com um sorriso de brancos dentes.

Com o leite de Tata, o de cabra, dado pelo criador de cabras, amigo do falecido Jesus, pai de Madalena, e a reza de Donana, Zezo sobrevivia. E sobreviveu. Crescer, não tanto, franzino, porém resistente. Pouco adoecia. Foi à escola, lá pouco ficou. Correu atrás da bola, pelos campos descampados do bairro, empinou pipas, jogou bolinha de gude, fincão, trocou tapas e pontapés, como todo moleque. Virou rapaz, namorou Belinha, aprendeu os segredos do sexo com Anunciação, mulata, de uma casa de tolerância, virou cafetão, comprou uma arma. De pequeno calibre, aprendeu a usá-la, atirando em latas e passarinhos, em coelhos e gambás.

- Para valentões, o remédio e uma bala no meio da testa. Discursava Zezo. Fez rolo com um investigador aposentado, adquiriu um 38. Seu sonho de consumo. Já não matava mais passarinhos, nem coelhos, nem gambás. Matou um homem.

- Um metido a besta, agrediu Anunciação e não pagou a foda. Homem que agride mulher nem honra compromisso não merece viver. Justificava Zezo.

Preso foi, fez amizade com bandidos, dentro e fora da cela. Aceitou um trabalho, depois de sair da prisão. Executar o desafeto de um traficante, que conheceu na prisão. Ganhou seu primeiro dinheiro com o novo trabalho. Foi competente. Ninguém o importunou. Gostou da arte. Executou mais um, mais outro. Um bandido aqui, um mau pagador ali. Sua fama se espalhou. Preso, vez ou outra, pouco ficava por lá e logo estava de volta para trabalhar.

- Comigo não tem erro, sou competente. Serviço garantido. Se gabava, entre um gole e outro de cerveja, com alguns amigos. Tinha poucos amigos e até alguns admiradores. Queriam ser como Zezo. Um justiceiro, matador de bandidos.

Certa noite, no bar que costumava freqüentar, Zezo é abordado por um senhor bem vestido.

- Vocè é o famosos Zezo?

- Não sei se sou famoso, mas sou sim, o Zezo.

- Queria conversar com você a sós.

Saem, andam uns metros, longe das vistas dos outros freqüentadores.

- Preciso que você acerte uma conta para mim.

- Que tipo de conta?


- Prefiro não dizer, se você não se importa.

- Não mato criança, nem mulher, nem gente decente.

- Acredite em mim, não é decente,,pelo contrário, não vale o feijão que com. Lhe garanto.

- Vou acreditar em você.

Acertado o valor, o senhor bem vestido deu a descrição do homem, o que não valia o feijão que comia, seu nome, sua rotina e se foi. Zezo voltou para dentro do bar sorrindo, mais um trabalho, mais dinheiro no bolso.

Como era meticuloso, estudou o melhor local para cumprir o compromisso, a melhor hora e, na noite que julgava ideal, cumpriu sua tarefa, com dois certeiros tiros.Tarefa cumprida foi comemorara com os amigos, bebeu, jogou bilhar, visitou Anunciação. Na manhã seguinte, ligou o rádio, para ouvir as notícias policiais, e o locutor lendo os Boletins de ocorrência:

- Ontem por volta de 22 horas foi assassinado João Pinheiro, operário de uma indústria local, pai de dois filhos menores, com a esposa grávida do terceiro. João não tinha antecedentes criminais, era evangélico, voltava do culto quando foi morto.

Zezo, começou a chorar, se abraça a Anunciação, que não entende sua reação

- Que houve Zezo? Por que ta chorando? Você conhecia o morto?

Zezo, entre soluços, gritou:

- Matei um homem decente, um inocente. Sou um canalha. Deus vai me castigar.

E nem os carinhos de Anunciação acalmaram o desespero que tomara conta do coração de Zezo.

Jorge Nicoli



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