Lá
Lá está a Virgem de braço abertos para receber a morte, lá está o
corpo apodrecendo na viela escura. Sentados sobre o túmulo de mármore branco,
que abriga a burguesia, garotos jogam dados, sob os olhares de um Mártir,
dependurado no ipê roxo. Apostam a vida.
Lá está a cruz de ferro retorcido à espera do Cristo Redentor, lá
estão os hipócritas a se empanturrarem com as carnes ensangüentadas das vacas
sagradas. Nos céus em cores rubras, os urubus fazem acrobacias, enquanto na
terra os ratos disputam os restos do corpo apodrecido.
Lá está o sangue escorrendo pelas calhas, lá estão os vampiros se
saciando nas veias das donzelas. No mastro tremula a bandeira encardida dos
soldados mutilados de Deus, que voltaram da batalha contra os guerreiros de
Satã. Guerra santa sem fim.
Lá estão os homens de posse a se servirem das terras que não lhes
pertencem, lá está a justiça caolha a servir os doutores. Pelo caminho
enlameado por sangue de inocentes um exército sem causa marcha para lugar
algum.
Lá estou eu a sonhar com fadas e ninfas, lá está a morte a me
seduzir.
Jorge Nicoli
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Sopa de Cebola
Boletim de Arte e Cultura
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