As
Lágrimas de Um Matador de Aluguel
Zezo, nasceu prematuro,
franzino, pouco peso, condenado a engordar a estatística da mortalidade
infantil.
Donana, a avó, rezava aos
Orixás.
- Xangô vai lhe dar
força, vai fazer dele um grande homem, Iemanjá, vai abençoar, ele vai um homem
bom.
Madalena, a mãe, chorava.
- Meu único filho
homem, Deus não pode me abandonar.
Dizia, enquanto as
lágrimas escorriam pelo seu rosto maltratado. Tinha apenas 32 anos, parecia ter
muito mais. Marcas da vida mal vivida. Além de Zezo, já tinha parido quatro
meninas, cada uma de um homem diferente. Boa coisa elas não deram, mas deram
netos a para Madalena cuidar. A esperança era Zezo, batizado como José Salvador.
José, nome do pai, de
pouco trato, de muita cachaça, a resmungar pelos bares, pelos cantos.
- Merda de vida.
Tinha 45 anos, separado
da primeira mulher,com quem teve dois filhos, vivia de biscates.
Assim foi, entre rezas,
lágrimas e resmungos que Zezo ia resistindo. Dos peitos de Madalena, pouco
leite saia, da negra Tata, era tanto que dava para dividir entre a Josiane e o
Zezo.
- Vai viver, menino,
leite de negra sustenta.
Dizia Tata, com um
sorriso de brancos dentes.
Com o leite de Tata, o de
cabra, dado pelo criador de cabras, amigo do falecido Jesus, pai de Madalena, e
a reza de Donana, Zezo sobrevivia.
E sobreviveu. Crescer,
não tanto, franzino, porém resistente. Pouco adoecia. Foi à escola, lá pouco
ficou. Correu atrás da bola, pelos campos descampados do bairro, empinou pipas,
jogou bolinha de gude, fincão, trocou tapas e pontapés, como todo moleque. Virou
rapaz, namorou Belinha, aprendeu os segredos do sexo com Anunciação, mulata, de
uma casa de tolerância, virou cafetão, comprou uma arma. De pequeno calibre,
aprendeu a usá-la, atirando em latas e passarinhos, em coelhos e gambás.
- Para valentões, o
remédio e uma bala no meio da testa.
Discursava Zezo. Fez
rolo com um investigador aposentado, adquiriu um 38. Seu sonho de consumo. Já
não matava mais passarinhos, nem coelhos, nem gambás. Matou um homem.
- Um metido a besta,
agrediu Anunciação e não pagou a foda. Homem que agride mulher nem honra
compromisso não merece viver.
Justificava Zezo. Preso
foi, fez amizade com bandidos, dentro e fora da cela. Aceitou um trabalho,
depois de sair da prisão. Executar o desafeto de um traficante, que conheceu na
prisão.
Ganhou seu primeiro dinheiro
com o novo trabalho. Foi competente. Ninguém o importunou. Gostou da arte. Executou
mais um, mais outro. Um bandido aqui, um mau pagador ali. Sua fama se espalhou.
Preso, vez ou outra, pouco ficava por lá e logo estava de volta para trabalhar.
- Comigo não tem erro,
sou competente. Serviço garantido.
Se gabava, entre um
gole e outro de cerveja, com alguns amigos. Ele tinha uns poucos amigos e até alguns admiradores. Queriam ser
como Zezo. Um justiceiro, matador de bandidos.
Certa noite, no bar que
costumava freqüentar, Zezo é abordado por um senhor bem vestido.
- Vocè é o famosos Zezo?
- Não sei se sou
famoso, mas sou sim, o Zezo.
- Queria conversar com
você a sós.
Saem, andam uns metros,
longe das vistas dos outros freqüentadores.
- Preciso que você
acerte uma conta para mim.
- Que tipo de conta?
- Prefiro não dizer, se
você não se importa.
- Não mato criança, nem
mulher, nem gente decente.
- Acredite em mim, não é decente,,pelo contrário, não vale o
feijão que com. Lhe garanto.
- Vou acreditar em
você.
Acertado o valor, o
senhor bem vestido deu a descrição do homem, o que não valia o feijão que
comia, seu nome, sua rotina e se foi.
Zezo voltou para dentro
do bar sorrindo, mais um trabalho, mais dinheiro no bolso.
Como era meticuloso,
estudou o melhor local para cumprir o compromisso, a melhor hora e, na noite
que julgava ideal, cumpriu sua tarefa, com dois certeiros tiros.
Tarefa cumprida foi
comemorara com os amigos, bebeu, jogou bilhar, visitou Anunciação. Na manhã
seguinte, ligou o rádio, para ouvir as notícias policiais, e o locutor lendo os
Boletins de ocorrência:
- Ontem por volta de 22
horas foi assassinado João Pinheiro,
operário de uma indústria local, pai de dois filhos menores, com a esposa
grávida do terceiro. João não tinha antecedentes criminais, era evangélico,
voltava do culto quando foi morto.
Zezo, começa a chorar,
se abraça a Anunciação, que não entende sua reação
- Que houve Zezo? Por
que ta chorando? Você conhecia o morto?
Zezo, entre soluços,
grita:
- Matei um homem
decente, um inocente. Sou um canalha. Deus vai me castigar.
E nem os carinhos de
Anunciação acalmaram o desespero que tomara conta do coração de Zezo.
Jorge
Nicoli
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SOPA
DE CEBOLA
Boletim
de Arte e Cultura
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