quarta-feira, 1 de novembro de 2017



A Arte Está em Todo o Lado


Nós não nos damos conta de como a arte nos trespassa de todo o lado. Anotar isso aos que vaticinam a morte da arte. Isto ao nível mais corriqueiro.

Dispor os móveis numa sala é fazer arte. Ou olhar uma paisagem, pôr uma flor na lapela, ou num vaso. Escolher uma gravata, uns sapatos. Provar um fato. Pentear-se. Fazer a barba ou apará-la quando comprida. Todas as coisas de cerimônia têm que ver com a arte. E o corte das unhas. 

Todo o jogo. Toda a verdade que releva da emoção. Às vezes mesmo a escolha do papel higiênico. Mas mesmo a desordem. Bergson, creio, dizia que se tudo fosse desordenado, nós acabaríamos por ler aí uma ordem. E não é o que fazemos ao inventarmos as constelações?

Admitir a morte da arte é admitir a morte do homem, que impõe essa arte a tudo o que vê. Mas tenho de ir à casa de banho. A ver se invento arte mesmo aí. (Mas quando disse “casa de banho” e não “retrete”, já a inventei.)


Vergílio Ferreira
Escritor, nascido em Portugal em 1916


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