A Arte Está em Todo o Lado
Nós não nos damos conta de como a arte nos
trespassa de todo o lado. Anotar isso aos que vaticinam a morte da arte. Isto
ao nível mais corriqueiro.
Dispor os móveis numa sala é fazer arte. Ou olhar
uma paisagem, pôr uma flor na lapela, ou num vaso. Escolher uma gravata, uns
sapatos. Provar um fato. Pentear-se. Fazer a barba ou apará-la quando comprida.
Todas as coisas de cerimônia têm que ver com a arte. E o corte das unhas.
Todo o jogo. Toda a verdade que releva da emoção.
Às vezes mesmo a escolha do papel higiênico. Mas mesmo a desordem. Bergson,
creio, dizia que se tudo fosse desordenado, nós acabaríamos por ler aí uma
ordem. E não é o que fazemos ao inventarmos as constelações?
Admitir a morte da arte é admitir a morte do homem,
que impõe essa arte a tudo o que vê. Mas tenho de ir à casa de banho. A ver se
invento arte mesmo aí. (Mas quando disse “casa de banho” e não “retrete”, já a
inventei.)
Vergílio Ferreira
Escritor, nascido em Portugal em 1916
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