O amolecimento
pela sociedade de consumo
Nos países subdesenvolvidos, a arte
(literatura, pintura, escultura) entra quase sempre em conflito com as classes
possidentes, com o poder instituído, com as normas de vida estabelecidas. Em
revolta aberta, o artista, originário por via de regra da média e da pequena
burguesia ou mais raramente das classes proletárias, contesta o statu
quo, propõe soluções revolucionárias ou, quando estas não podem sequer
divisar-se, limita-se a derruir (ou a tentar fazê-lo pela crítica, violenta ou
irônica) o baluarte dos preconceitos, das defesas que os beneficiários do
sistema de produção ergueram contra as aspirações da maioria.
Nas sociedades industriais mais
adiantadas, o artista pode permanecer numa atitude idêntica de inconformismo;
porém, os resultados da sua atividade de criação e reflexão tornam-se matéria
vendável e, nalguns casos, matéria integrável.
O consumo do objeto artístico, seja
ele o livro, o quadro ou o disco, quando feito sob uma tutela de opinião, que
os meios de comunicação de massa, em escala larguíssima , exercem, torna-se,
senão totalmente inócuo, pelo menos parcialmente esvaziado do seu conteúdo
crítico.
Despotencializa-se. Amolece. É o que se
verifica, por exemplo, em boa parte, nos Estados Unidos. A ideologia repressiva
da liberdade no mundo capitalista monopolista torna-se tanto mais perigosa
quanto absorve, ou procura absorver, as próprias formas políticas de exercício
das liberdades ditas essenciais, quando aceita no seu seio o escritor, acusador
iconoclasta por natureza, recuperando-o em banho asséptico, limando-lhe os
dentes. Mas, entendamo-nos, nem sempre o artista se dá conta dessa operação,
até porque nem sempre, de fato, é ele próprio o paciente da operação que lhe
reduz a perigosidade, senão que o é, sim, a sua obra, a qual, pelo poder
diminutivo de uma dada comercialização, se retifica.
Urbano Tavares Rodrigues,
Urbano Tavares Rodrigues,
1923/2013
Escritor e jornalista nascido em Portugal
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SOPA DE CEBOLA
Boletim de Arte e
Cultura
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