A Profundidade do Ser
E de vez em quando
descer à gravidade de mim, à profundidade do meu ser. E verificar então que
tudo se transfigura. Que é que significa este garatujar quase gratuito, este
riso superficial, todo este modo de ser menor?
A melancolia
profunda, tão de dentro que ela se iguala à alegria sem medida. Espaço
rarefeito de nós, é o lugar da grandeza do homem, do que é nele fundamental, o
lugar do aparecimento de Deus. Mas Deus não me aparece - aparece apenas a
inundação que me vem da infinita beatitude, da grandeza e do assombro.
Nós vivemos
habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados
nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o
abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos
pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e
mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um
acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos
verdade para a infinidade dos séculos.
Vergílio Ferreira
Escritor, nascido em Portugal em 1916
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