Nunca Aprendi a Viver
De repente eu me
vi e vi o mundo. E entendi: o mundo é sempre dos outros. Nunca meu. Sou o pária
dos ricos. Os pobres de alma nada armazenam. A vertigem que se tem quando num
súbito relâmpago-trovoada se vê o clarão do não entender.
Eu não entendi!
Por medo da loucura, renunciei à verdade. Minhas idéias são inventadas. Eu não
me responsabilizo por elas. O mais engraçado é que nunca aprendi a viver.
Eu não sei nada.
Só sei ir vivendo. Como o meu cachorro. Eu tenho medo do ótimo e do
superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo
para trás. Se eu desse um passo para a frente eu seria enfocada pelo amarelado
de esplendor que quase cega.
Clarice Lispector
Escritora, nascida na Ucrânia em 1920, naturalizada brasileira,
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