sexta-feira, 6 de novembro de 2015




Aprende a ser como os outros

Não precisamos de ler, estudar ou conhecer ninguém, quando produzimos nós próprios. Pois não basta que produzamos nós próprios?

E gostemos de nós próprios? Que nos pode dar o espírito alheio, quando sobre o próprio nosso desceu em línguas de fogo a sabedoria de tudo?

Melhor: A verdade é que nem precisamos nós próprios de produzir (toda a produção é uma limitação), ou mal precisamos de produzir, para usufruirmos as vantagens do criador e produtor.

Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas... uma anedota diverte muita gente; quatro anedotas divertem muito mais... aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, - ao cabo simplesmente maçadoras - com que pretendes sufocar; aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos, por a todos nos dar a reconfortante impressão de pertencermos ao mesmo meio... estarmos ao mesmo nível; não queiras ser nem sobretudo sejas mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo... numa palavra: superior.

Sim, homem! aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos - conforme - sem os excederes nem te comprometeres demasiado; e deixa-me lá esses Proustes e esses Gides e esses Dostoievskis e esses Tolstois (vem aí o tempo em que todos esses jarrões serão levados para o sótão!), deixa-me essa estética e essa mística e essa metafísica e essa ética (já o tempo chegou de se ver a inutilidade e o ridículo dessa pretensiosa decoração), deixa-me lá esses estrangeiros, e essas estrangeirices.

José Régio,  
1901/1969

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SOPA DE CEBOLA

Compartilhando inteligência

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