Riscos e traços

Um traço risca os céus, um corte risca o pulso, uma gota de sangue escorre pelo ralo, umas gotas de chuva correm para os bueiros, onde  ratos adormecem.  Um risco corta a escuridão e um grito interrompe o silêncio. Um corte abre a ferida, um traço corta o branco da página e a porta se fecha apagando os riscos de luz que atravessa a sala de jantar.

O corte traça o risca vermelho  que demarca a noite. O risco ultrapassa a linha que sustenta a face de Deus e o corte  assimétrico recorta o pedaço da carne dependurada nos fios de algodão.  Os recortes dos velhos jornais recordam os riscos da vida  contada em linhas paralelas, riscadas por tacos perdidos num círculo mortal.

Um risco luminoso traça a imagem de um corpo seguro por rabiscos no céu escuro, de onde gotas de chuva  jorram molhando o corte no pulso e o sangue escorre pelos bueiros saciando a sede dos ratos.

Jorge Nicoli

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