Estatuto e eternidade
Não me
entendes, caríssimo Sebastião: dizes que misturo tudo. Dizes que é incomparável
a liberdade de que hoje dispomos para imaginar, escolher, criar, viver.
Pelo
menos na nossa civilização, dizes. E eu rio-me do que tu dizes, e tu zangas-te
com o meu riso, cuidando, como tanto se cuida naquilo a que chamas a nossa
civilização, que me rio de ti.
Querido
Sebastião, rio-me porque aquilo a que chamas a nossa civilização ainda nem
sequer começou.
Importa-me
a liberdade, sim, mas vejo que a usamos ainda e apenas como uma outra espécie
de grilhão.
Vestimos
a liberdade como outrora vestíamos a submissão; ela não é mais do que um traje
de baile, com um carnet em que apontamos os nomes daqueles com
quem dançaremos para brilhar diante dos outros.
Democratizou-se
o anseio de estatuto, mas não conseguimos ainda sair dele. É isso que vejo,
Sebastião.
Som e
sentido, continente e conteúdo dilacerando-se, hoje como sempre, até que nada
reste sob a superfície hiperbólica da realidade.
Dizes que aquilo a que eu chamo estatuto pode
também chamar-se ânsia de eternidade. Mas eu vejo tão pouca eternidade nos
sonhos das pessoas, Sebastião.
A
eternidade que somos conduzidos a aspirar é a da juventude - o lugar mais
rápido, inseguro e variável da existência humana. O lugar do querer ser. Não
vês o contra-senso que isto representa? A violência? A prisão?
Inês Pedrosa,
Jornalista e escritora
nascida em Portugal em 1962
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GRUPO DE TEATRO
“SÁBIA INCECISÃO”
O Teatro como Arte
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