Viver o hoje
Nunca a vida foi tão atual como hoje:
por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria. O
apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de
um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa.
O tempo não existe. O que chamamos de
tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou
existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida
é tão curta.
Então — para que eu não seja engolida
pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa —
eu cultivo um certo tédio.
Degusto assim cada detestável minuto.
E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos
minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas
desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o
tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide.
De agora em diante o tempo vai ser
sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me
ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um hoje.
Há algo de dor e pungência em viver o
hoje. O paroxismo da mais fina e extrema nota de violino insistente. Mas há o
hábito e o hábito anestesia.
Clarice Lispector,
38 anos sem ela
===================
Grupo de Teatro
“Sábia Indecisão”
Provocando reflexões
Nenhum comentário:
Postar um comentário