quarta-feira, 23 de dezembro de 2015



Eu ela e a escrita

Eu ela e a escrita existimos desde o princípio. A escrita forma-se em mim, passa por ela e volta à minha pele num jogo sensual e íntimo.

É um ser maleável aos gestos que executamos, vive e morre com os nossos impulsos. Quando se ausenta deixa sinais.

Faz-nos confidências da sua vida errante, elabora sentimentos que não esperávamos que tivesse quando junta ao nosso, o seu instinto criativo.

Assim, utilizo agora palavras que
nunca pensei vir a escrever. Aceito-as porque as sei da espécie da personagem que habita connosco, conivente com os erros que cometemos.

Quando adolescente, passava o tempo a ler o dicionário, apercebendo-me da corrosão de algumas palavras, do seu poder destrutivo. Noutras havia sombra e um peso monstruoso.

E as que ao tempo foram luminosas, irradiavam um brilho que se colou aos meus dedos. Eu gastava os dias a limpar-me dessa luz até não haver em mim resíduos de leitura.

Descobria o esquecimento, onde o poema veio a ser abismo, outra vida onde o sorriso da morte teve muita importância.

Amei a imperfeição do ser humano. Revisitei a infância e aquilo que em nós é real. Não soube prescindir da beleza. 


Isabel de Sá,
Escritora e artista plástica
nascida em 1958 em Portugal


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