O prego
naquela parede nua
Para que serve aquele prego naquela parede nua? Não sei, aliás nem
sei o que estava ali dependurado. Uma imagem de Jorge? Acho que não, pois nunca
tive uma imagem de Jorge. Sinto que é essa a razão dele ter se afastado de mim.
Pode ser que aquele prego tenha servido para eu dependurar um quadro de
natureza morta. Impossível, não gosto de quadro de natureza morta, Muito óbvio.
A obviedade me incomoda.
Aquele prego naquela parede pode ter servido para sustentar um
crucifixo. Mas como poderia dependurar um crucifixo se nunca tive um? Recuso a
idéia de ser responsável pela morte de Cristo, como não aceito seu sacrifício
em meu nome. Não O autorizei a morrer por mim. Uma vaga lembrança perpassa a
minha cabeça: aquele prego naquela parede serviu como suporte para a foto do
casamento de meus pais. Já revirei a casa toda e não a encontrei. Nem sei se um
di tive uma foto da cerimônia de casamento deles. E por que teria?
O quadro de minha primeira comunhão? Até seria um momento a ser
eternizado. Só que não fiz a primeira comunhão e por razão que desconheço,
afinal fui um exemplar aluno de catecismo. Mas o certo é que não fiz, Depois
não me preocupei mais com isso, mesmo porque eu e a igreja nos distanciamos.
Incompatibilidade de ideais.
Lembranças vãs. Aquele prego solitário naquela parede nua, não
está ali por acaso, deve ter servido para dependura um quadro, uma foto, um
enfeite. Sei lá. Posso mandar colocar uma linda moldura numa foto minha e ali
dependurar. Mas que foto? Aquela de quando menino que sonhava em correr pelos
campos de futebol? Ou aquela de quando jovem pensava em namorar aquela menina
que nunca me dirigiu o olhar? Talvez a foto do pai orgulhoso ou do avô babão?
Acho que não. O narciso que habita em mim não gostaria de ver esta imagem.
Parece que o mistério daquele prego naquela parede nua não será
desvendado, como não será usado, pelo menos, por enquanto. Um dia, quem sabe, o
use para dependurar uma coroa de flores.
Jorge Nicoli
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