segunda-feira, 6 de abril de 2015

A manhã
Um céu nublado dá o tom cinza para a amanhã, a água empoçada num canto da calçada dá a nota do dia de ontem. Choveu. Chuva que molhou os estandartes dos indecisos cordões que marchavam para lugar algum. Um bêbado, sobrevivente da farra de ontem,  grita impropérios contra alguma instituição, de quebra, contra alguma autoridade. A voz encharcada se perde no meio do barulhento bater de asas das aves de rapina que povoam os ares da cidade.
Da janela um obeso senhor a tudo observa, degustando  torradas diet e bebericando chá esverdeado. Na sala a moça negra limpa o chão em que calçados de couro de um animal ou outro pisaram, ajeita a  mesa em que fora servido lauto jantar, onde senhoras e senhores, vestidos a caráter discutiram, entre um gole de champanhe francês e outro de cerveja canadense,  a compra de bugigangas americanas. Sorvendo licores importados e Vinho do Porto discutiram a violência dos deserdados.
Nas ruas, ainda amanhecendo, mendigos e ratos disputam o lixo das  imponentes mansões, sob os olhares impávidos da bandeira verde e amarela. Enquanto isso, homens fardados e armados marcham ao som  de uma ópera bufa.
Jorge Nicoli



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