O
ato poético
O ato poético é o empenho total do
ser para a sua revelação. Este fogo do conhecimento, que é também fogo de amor,
em que o poeta se exalta e consome, é a sua moral. E não há outra.
Nesse mergulho do homem nas suas
águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma
pluralidade. Mas, curiosamente, o espírito humano atenta mais facilmente nas
diferenças do que nas semelhanças, esquecendo-se, e é Goethe quem o lembra, que
o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao
homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem.
Na verdade, ele nega onde outros afirmam,
desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes
de imaginar.
Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de
desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio, pois esse ser
sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é
uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e
ausência, plenitude e carência.
Eugénio de Andrade,
Eugénio de Andrade,
1923/2005
Poeta, nascido em Portugal
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