Quando eu
leio
Quando eu leio eu viajo, eu amo, eu odeio, eu me emociono, eu
choro, eu enrubesço.
Se eu leio, eu sonho, eu conheço, eu penso. Quando eu leio, eu
passo, eu fico, eu esqueço. Eu imagino, eu acabo, eu permaneço: fujo, ando,
volto, tropeço.
Se eu leio eu adormeço, eu me entristeço, eu me alegro, eu
corro, eu desapresso. Eu apareço e desapareço.
Quando eu leio, eu invejo, eu enlouqueço. Eu acostumo, eu
elucido, eu duvido, vivo o que não tinha feito.
Lendo, invento verbos não escritos: democratizo, desautomatizo,
arborizo, ouço-vejo. Leio porque me abraço, porque me protejo. Leio porque me
encorajo, me envergonho, me orgulho: extasio, amanheço. Ler é mais do que tudo
um ótimo jeito de simplesmente estar e ser: acordar/dormir, avançar/retroceder.
Leio porque eu faço tudo enquanto eu nada faço: abro e fecho os poros ao mesmo
tempo.
Ora, ler seria, para quem leu, uma questão de pele. Uma questão
de corpo, o poroso órgão da alma em tudo semelhante a um livro. Leio porque
lendo conheço esse verbo total. Experimento todas as palavras escritas e as que
estão por escrever. O verbo feito mundo é então a casa de portas abertas onde
morro e vivo: sou o livro onde cada página da vida não tem fim ou começo.
Então eu leio e leio de novo e me sinto viva para a grande
novidade do mundo.
Márcia
Tiburi.
Artista plástica,
professora de filosofia e escritora,
nascida em
Vacaria, RS, em 1970
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